sexta-feira, janeiro 21, 2005

Sim, meu amor

"O telemóvel ligado é para lhe dar o benefício da dúvida. Não que ele mereça. Combinou comigo e agora deixa-me pendurada. Não é a primeira vez. Acontecem-lhe sempre impedimentos de última hora, reuniões imprevistas, problemas com o carro.
Mas não tem importância. Este louro que meteu conversa comigo, aqui à minha esquerda, não está nada mal. Em princípio, não aprecio louros, mas não me apetece ter este ar abandonado, não hoje. Que fui ao cabeleireiro fazer madeixas, estreei este vestido preto com um decote provocante e usei o perfume caríssimo das grandes ocasiões. Pus ao pescoço o diamante que ele me deu no nosso primeiro aniversário e quanto a lingerie, bem, nem vou falar nisso. Mas podem imaginar. Uma única peça, da cor do vestido e minúscula, invisível pelo lado de trás.
Quem me manda ser parva?
Não vem e não telefona. É um urso, o homem. Em compensação, o rapaz louro, um pouco cliché de fotografias de moda (magro, tipo intelectual, olhos verdes claros, óculos redondos, cabelo de melena lisa na testa), está a dizer-me coisas bem interessantes. Tem umas mãos bonitas, de unhas muito rentes e dedos longos. Usa uma óptima água-de-colónia. Está a convidar-me para jantar.
Do moreno, nem rasto. O telemóvel continua mudo. Faço, engulindo o orgulho, uma última tentativa. Está desligado.
Pois muito bem. Vou aceitar jantar com o louro e se o moreno vier, que não vem, despejo todas as minhas razões de queixa e enfio-lhe o diamante no copo de uísque, como vejo fazer no cinema.
Abro um grande sorriso para a esquerda e o telefone toca. O ouvido nem quer acreditar que é o meu. Atendo com ar frio e distante. Ele fala.
Eu não sei que magia tem a voz deste homem no telemóvel que me ouço (e o louro também) dizer:
-Sim, meu amor. Não, não esperei nada, cheguei agora mesmo. Amo-te muito, vem depressa...
Estão a perguntar-me pelo louro? Qual louro? Eu nem gosto de louros..."

Rosa Lobato Faria



Faltou o diamante para ser verdade.